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terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

quando a tua casa se torna a casa dos teus pais

  

Tiago Mota Saraiva disse ao setenta e quatro que "uma pessoa com dez ou 15 anos de idade não ocupa o mesmo espaço — o espaço simbólico dentro de uma casa — que uma pessoa de 30" e eu suspirei em anuência resignada. Estou nas vésperas do meu 28º aniversário, vivo com os meus pais e a saída aqui de casa não está para breve.

Felizmente que estes últimos dias têm trazido para o espaço mediático a questão da crise da habitação, estava a ver que nunca mais. No entanto, entre adultos obrigados a dividir casa, pessoas deslocadas em arrendamentos precários e famílias com dificuldade em pagar a actualização da prestação ao banco, ouve-se pouco as vozes dos desgraçados que vivem com os pais.

Não me interpretem mal: dou-me bem com os meus pais, poupo-me à preocupação com lides domésticas e sou, em bom português, mimada. Mas e o resto, senhores? Não pago contas mas o preço é o meu desenvolvimento pessoal e social. Os homens e mulheres vintões, trintões, obrigados a viver em casa dos pais estão condenados a viver numa adolescência perpétua que não nos permite crescer e ser adultos.

Ocupas demasiado espaço numa casa que deixa de ser tua pois não te sentes à vontade para lá viver. De repente o CC denuncia-te como cidadão que já devia ser independente, mas tens de ter atenção para não te esqueceres da toalha do banho senão a mãe ralha-te; tens de avisar onde vais sair para o pai não se preocupar; tens de te ir deitar porque "vê lá que amanhã trabalhas". Pois trabalho, mas para quê?

Dito assim parecem mesquinhices, dá vontade de rir e é ridículo. Pois é ridículo, é ridículo que um adulto que trabalhe a tempo inteiro não possa ter direito ao seu espaço e à sua privacidade doméstica. Sinto mesmo que estamos todos a passar ao lado da crise social e demográfica que esta situação de vida pode trazer. Estamos privados da linha temporal de gerações anteriores: sair de casa por volta dos 21, 22, desfrutar da tua juventude com as tuas regras, casar aos 26, ter dois filhos, divórcio aos 32.

Caramba, e nem é que eu queira isto para a minha geração. Mas quando é que vou poder viver a minha vida em vez da minha vida confinada na casa dos meus pais? Porque é que os nascidos nos anos 90 não têm direito a dispor do seu espaço para receberem amigos, conviver, aproveitarem o tempo? Porque, no final do dia, além de espaço também se trata de uma questão de tempo. Não podemos desenvolver as nossas relações afectivas, somos privados de ter uma vida sexual satisfatória, adiando para alguns a ideia de ter filhos. Pois se só temos casa depois dos 30, e depois queremos aproveitar a casa sem os filhos, com que idade é que vamos então tentar? A fertilidade não se indexa à Euribor e tenho demasiados casais amigos que desejam ser pais sem conseguirem delinear ao certo quando é que vão poder começar a pensar nisso, porque ainda vivem na casa dos pais.

Há já algum tempo que me sinto um corpo estranho aqui em casa, confinada às quatro paredes do meu quarto de infância e adolescência (e adultez), com a vida bloqueada em impasses que não consigo controlar. Ocupo demasiado espaço e não consigo crescer para lá disto. Não estou à vontade nem para sentir as minhas emoções nem lidar com os meus dias menos bons (a sério, no outro dia queria estar à secretária a chorar e a escrever e não consegui porque a minha mãe me estava sempre a entrar no quarto, epa que ridículo, por amor de Deus). Sinto-me uma criança a brincar aos adultos porque saio de manhã para "o trabalho". Não sei quem sou fora daqui e quero descobrir mas ainda tenho de esperar. Para tudo na minha vida tenho de esperar, porra.

Enfim, somos a geração da década perdida. Até quando, António Costa?

3 comentários:

  1. Que choraminguice. Tenho a mesma idade que tu e vivo sozinho já há uns anos. Todos os meus amigos, do meu ano, um bocadinho mais velhos, um bocadinho mais novos, vivem também sozinhos ou em casal, alguns já com filhos, alguns em casas arrendadas, muitos a pagar aos bancos pelas suas próprias casas. E nenhum de nós é rico ou herdeiro, 100% escolas públicas toda a vida, em média temos licenciaturas, alguns mestrado, outros até nem isso e trabalham na restauração, essa área que tem muito que se lhe diga, e não vivemos em aldeias remotas, falo da margem sul tal como tu. A situação está péssima e insustentável? Está, sim senhora. Devem ser tomadas medidas urgentemente? Sem dúvida alguma. E quem vive no convento é que sabe o que lá vai dentro, mas o que escreveste neste post parece ser um péssimo exemplo da situação que se vive, soa mais a tu mesma não teres feito pela tua própria vida e tentares colocar as culpas em factores externos. Às vezes o empurrão temos de ser nós a dar, mesmo que não estejam reunidas as melhores condições ou aquelas que esperávamos. O que é certo é que, como tu própria dizes, sabe bem o conforto da casa dos pais, a falta de preocupações domésticas, de contas para pagar, mesmo com o revés da medalha. Se sair da casa dos teus pais é um objectivo, procura maneiras que estejam ao teu alcance de o fazer. Talvez não a casa dos teus sonhos não esteja para tão cedo. Também não é o sonho de ninguém ir viver para um quarto com poucos metros quadrados, não estou a propor isso. Mas há várias soluções intermédias, muitas vezes na vida temos de fazer por arriscar.

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    1. Claro que é choraminguice, é um post escrito por mim, sobre a minha situação, no meu blog moribundo. Muitos parabéns para ti e para todos os teus amigos que conseguiram essas conquistas. Infelizmente, não sou uma dessas pessoas. Não por falta de eu não ter "feito pela minha própria vida", mas porque foi o caminho que se desenrolou. Comecei a trabalhar aos 21 anos, saída da faculdade, com tanta urgência de começar a minha carreira que passei os meses de Verão frustrada sem resposta de nenhum estágio. Felizmente encontrei um em agosto desse ano, ganhava 150€ num envelope por 40h de trabalho. A partir daqui saltitei de trabalho precário em trabalho precário, numa área profissional (comunicação e marketing digital) que me esgotou e deitou ao chão. Aliás, está isso bem escrito algures aqui no blog, em posts antigos. No meio disto tudo, fiquei desempregada no começo da pandemia e sinceramente, olhando para trás, tive episódios depressivos nesse período por não saber o que fazer da vida. Foi a minha força de vontade em sair de casa que me fez reerguer, redefinir objectivos, e estar agora a trabalhar para estes. Acho que me acusas de coisas que eu própria admiti: sou mimada e não tenho de me preocupar com quezílias domésticas. Mas achas, honestamente, que sou feliz assim? Ou porque tenho esse "privilégio" não me posso queixar? Era o que mais faltava. Adultos a viverem em casa dos pais é um flagelo social, sim. Adultos que não conseguem sair de casa porque os preços estão absurdos, os bancos não emprestam e ganham uma média de 700-900 euros por mês. Eu trabalho 43 horas por semana e ganho o ordenado mínimo. A história da meritocracia é muito linda mas falaciosa. Não sei a tua área profissional, mas admiro que tenhas conseguido. Talvez não tenhas tido crises de trabalho e desemprego, talvez tenhas logo tirado a licenciatura certa para ti, não foi o que aconteceu comigo. E agora estou a construir a vida do zero com o "canudo" posto de parte, sem sequer ter condições para voltar a estudar porque ou estudo, ou poupo para a casa. Entristece-me que tenhas a mesma idade do que eu e tão pouca empatia para com os teus pares, mesmo estando numa fase de vida diferente. Mas repensa igualmente as coisas que dizes. Deves acompanhar-me noutra rede social para falares com tantas certezas, mas andas desatento então: eu estou activamente a trabalhar para comprar casa portanto não é preciso dares-me o conselho que estou já estou a seguir. E também é desnecessário repetires que "sabe bem o conforto da casa dos pais" quando eu admiti isso, embora tenha quatro ou cinco parágrafos a explicar como esse conforto me limita, entrava e me faz sentir pequena. Será um conforto assim tão grande? Olha que não é. Deixo-te então eu o conselho: fala com outras pessoas que vivam em casa dos pais e vê como estão realmente. Ou, se achas que só tu é que te podes queixar, pergunto-te: então porque é que não voltas para casa dos teus pais? Não pagas contas, não tens tarefas domésticas... Pois. Até uma próxima.

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