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quarta-feira, 10 de junho de 2015

As novelas e a (des)educação das massas

Desde há uns meses para cá que acompanho a novela Mar Salgado, da SIC. Acontece que há umas semanas surgiu algo no enredo que me ficou a moer a cabeça e desde então não consigo pensar noutra coisa...
A Vitória, personagem interpretada pela Ana Guiomar, foi agora mãe. Já não vou explorar o facto desta gravidez não ter sido planeada e de a personagem ter querido interrompê-la, acabando por não o fazer devido à pressão dos familiares e amigos. O tema que aqui me traz é outro...
Pois bem, a moça lá teve o bebé e qual é o problema? Ela não consegue amamentar. Meu Deus, o caos, o drama, o Apocalipse! Basicamente, ao longo destas semanas, os diálogos têm sido muito à volta de "oh mãe, não consigo dar-lhe mama... Pensava que seria um processo muito mais natural" bla bla bla. Ora bem, o que é que acontece? Surge a hipótese de darem ao miúdo leite de substituição. Aí le wild sogra appears a dizer que isso não, ai o leite materno que é tão importante, ai as defesas, ai os laços e não sei quê.
[Deixem-me já para por aqui para dizer que isto é tudo muito bonito, mas que há muita boa gente que foi criada só com leite em pó e aqui anda fresca e saudável, nomeadamente eu!]
Pois bem, a rapariga, que sente que é MÁ MÃE (sim, isto foi dito mesmo nestes termos) por não conseguir dar mama ao bebé, ainda é estigmatizada porque vai ter de desistir de um processo desconfortável para ela e para a criança, em detrimento de outra opção.
Neste ponto eu simplesmente levo as mãos à cabeça. Tudo bem que as novelas são um veículo para mostrar outras realidades e até tentar mudar mentalidades (por exemplo, agora assiste-se a novelas que têm casais homossexuais). Mas fazer propaganda pró-amamentação desta forma é simplesmente ridículo. Há mulheres que não têm capacidade de amamentar, seja porque o seu organismo não produz leite suficiente, seja porque não têm mamilos que são perfeitas terrinas, seja simplesmente porque são seres humanos com livre arbítrio para escolherem que opção querem tomar. E não amamentar é uma opção válida.
Consigo imaginar um cenário em que poderiam existir estas nazis da amamentação: no caso da personagem ter todas as condições e decidir que não queria amamentar o bebé, só porque sim. No entanto, assiste-se a uma situação em que tal acto não é confortável para nenhum dos dois. Não se justificam os comentários depreciativos das restantes personagens.
Posto isto, queria deixar aqui este pensamento: as novelas influenciam. de facto, a audiência. Os argumentistas devem ter isso em atenção, principalmente com assuntos tão delicados e pessoais. O mundo não é só branco e preto, há muitas nuances a considerar. É um alerta que deixo.

2 comentários:

  1. A histeria da amamentação - e o "direito" de o fazer indiscretamente em público- têm andado na ordem do dia nos média. Ora, no Brasil certos lobbies fazem tudo para divulgar essas e outras ideias de uma forma algo exagerada, incluindo nas novelas. Acho tudo isso um disparate, mas eu prefiro as novelas do antigamente.

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    1. Também não aprecio este tipo de "ditadura da mama" que começa desde logo nos hospitais, com as enfermeiras a recusarem-se a dar os comprimidos que secam o leite e obrigarem as recém-mães (e respectivos bebés) a períodos de desconforto.
      Na novela também me surpreendeu, mas com tanto product-placement (fraquíssimo, diga-se de passagem), é pôr para lá a amamentação e tentar influenciar o povão.

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