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sábado, 26 de fevereiro de 2022

Search Party ou o perigoso sentido de vazio

 

Alia Shawkat como Dory Sief em Search Party

Há umas semanas dei por mim sem série nenhuma para ver. Como é habitual nestes casos, lá fui pesquisar no Google “what to watch next”, e deparei-me com a sugestão de Search Party. A série já é de 2016 e terminou a sua quinta temporada o ano passado. Adorei o trailer e comecei no imediato a ver. Mal sabia a viagem que me esperava…

A história acompanha quatro amigos millennials que vivem em Brooklyn. Dory, a protagonista, está num trabalho de merda, sente-se perdida na vida e não sabe o que fazer a seguir (relatable much?). Depois temos o Drew, o namorado de Dory, cuja relação está meio tremida. Drew é um estagiário não-remunerado numa empresa qualquer, onde pisa ovos para tentar não ofender ninguém nem ser despedido. Por fim, temos o Elliot e a Portia, o amigo-gay-espirituoso e a amiga-loira-tonta, duas personagens que têm um arco de crescimento brilhante ao longo dos episódios, deixando-nos afeiçoados às suas personalidades.

O drama começa quando a Dory vê que uma colega de faculdade (Chantal) foi dada como desaparecida e decide, de modo a dar algum sentido à sua vida, envolver-se nas buscas. A partir daqui a série desenrola-se num ritmo frenético (os episódios são só de 20 minutos), deixando-nos presos naquilo que é uma série de… comédia? Não, de mistério. Não, esperem, é de suspense?

A verdade é que Search Party é tudo isso, sim. Um cruzamento louco entre o humor absurdo e constrangedor de The Office, o drama millennial de Girls, e um argumento com plot-twists ao nível de How to Get Away With Murder. Mas acabei por baptizar a série como caricatural. Os protagonistas, o enredo, as circunstâncias e até as personagens secundárias, são tudo caricaturas de si próprios. A escrita da série é excelente e, como podemos ler no New York Times, trata de nos mostrar o absurdo da vida adulta millennial. Entre apartamentos que nos parecem impossíveis de sustentar e uma história mirabolante de tão irrealista, vemo-nos confrontados com os nossos próprios demónios: a falta de um sentido para a vida, a dificuldade em encontrar uma carreira, e os problemas das relações interpessoais, sejam amorosas ou de amizade.

Search Party conseguiu prender-me ao ecrã no final de um Janeiro que foi terrível para mim. O seu enredo e os plot-twists deixaram-me entretida e fizeram-me esquecer dos meus próprios problemas e dramas pessoais. Como millennial perdida na vida, acabei por sentir simpatia pela Dory: a sensação mais perigosa de se sentir é a de vazio, pois assim qualquer absurdo nos prende e leva por caminhos desconhecidos. Felizmente, na vida real, não acabamos envolvidos num crime (espero?), mas não passamos assim tão ao lado dos restantes “absurdos” a que os nossos protagonistas se agarram, sejam estes trabalhos sem futuro; mudanças de carreira que vão contra os nossos valores pessoais; relações de co-dependência; tentativas infortunas de empreendimento; fuga às nossas responsabilidades; confiança cega em alguém que surge como “salvador”.

Tudo isto são mecanismos que usamos para tentar preencher uma vida que luta contra nós e nos derrota vezes sem conta. A geração mais qualificada de sempre é também a mais pobre, presa a trabalhos precários que não trazem sustento. É a que já viu duas, três, quatro crises financeiras sem precedentes. A geração que está a sair de uma pandemia e a entrar numa Guerra Mundial. E, no meio disto tudo, só queríamos uma orientação, respostas, algum sentido para esta vida. Enquanto isso não chega, podemos sempre contar com boa televisão para distrair um bocado. Vejam Search Party.

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