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terça-feira, 14 de junho de 2022

Pequenos Lutos

[texto escrito a 13 de junho de 2022]

Hoje, para mim, é uma segunda-feira menstruada. O fim-de-semana meio prolongado (trabalho ao sábado e não tenho o feriado do Santo António) foi agitado, entre festas de aniversário, compras atrasadas e convívios domingueiros que acabam demasiado tarde para quem tem de trabalhar no dia seguinte. Então cá estou, ensonada, cansada, menstruada e a atirar para o melancólico.

Dei por mim aborrecida no trabalho (não há muito que fazer) e pus-me a pensar no conceito de luto. Não o luto - digamos - óbvio de quando nos morre alguém, mas outros pequenos lutos que somos obrigados a enfrentar no dia-a-dia. Aquelas pontadas de memória que nos podem arrastar para certas tristezas e para a dificuldade de encarar o presente como este é.

Diferente de um "luto de relação", que também já é um termo popular, este tipo de luto está apenas associado a uma particularidade nossa. Sinto que, de momento, tenho uns três lutos a acontecer. Uns lido melhor do que outros, mas os três representam uma parte de mim que está a morrer e, como tal, é preciso velar e deixar ir.

Estou de luto pela minha casa de férias no Alentejo que nunca cheguei a ter. Começo assim para ser logo o sonho mais extravagante mas que não tem menos importância por isso. Sempre quis ter uma casa de férias para onde fugir quando me apetecesse. E que fosse no Alentejo pois sempre me senti em casa lá, mesmo nem tendo raízes na zona. Mas como a vida está e o que parece ser o futuro, este sonho não tem pernas para andar.

Deixando de lado as fantasias imobiliárias, também sinto que estou a fazer um luto pela ideia de um corpo magro. É algo que já venho a aceitar, embora nunca estejamos imunes à pressão que está à nossa volta.  A verdade é que não tenho a paciência nem a vontade que são precisas para uma pessoa como eu (naturalmente não-magra) conseguir ser "magra". Por isso, estou de luto pela fantasia de ser fit e ter o corpo assim ou assado.

Por fim, ainda no plano físico, estou de luto pelos meus cabelos morenos. Este ano tenho notado especialmente um boom de cabelos brancos: já não estão apenas "escondidos" no meio dos outros, notam-se bem quando me olho ao espelho. Não me surpreende, pois não dá para fugir à nossa genética, mas é um processo fascinante de se assistir. Vou gostar dos meus cabelos brancos, tanto porque gosto do visual grisalho como por poder, finalmente, pintar com as cores que nunca tive oportunidade de experimentar. Na mesma, há um sabor agridoce no facto de os meus dias de morena estarem em contagem decrescente. E mesmo que pinte da minha cor natural, os cabelos castanhos já não vão estar realmente lá pois esses sim, morreram.

Estes lutos não me deixam triste nem pretendem mascarar inseguranças (no caso do corpo&cabelo), só que achei importante reconhecer as suas pequenas "mortes". Permitir-me viver certos lutos tem-me ajudado a conseguir seguir em frente em vários temas da minha vida, daí querer agora aplicar a mesma lógica a estes pontos mais banais. Até porque, de certa forma, honrar a memória do que já não existe é o que acaba igualmente por nos deixar abrir espaço para o que está por nascer. 

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