Terá sido em meados de 2019 - já não sei, não tenho a certeza - que a minha amiga Diana me deu a conhecer Maria Judite de Carvalho, coincidindo com a sua obra a ser reeditada em colectânea. Pensei: fixe, uma escritora portuguesa que não conheço e tenho a oportunidade de ter a obra completa e certinha?? Bora.
Foi assim que fui avançando na colecção e cheguei ao quinto volume das Obras Completas da Maria Judite de Carvalho. Este livro dá-nos uma colectânea de crónicas que a autora escreveu para diversos jornais e revistas; uns pequenos contos; poemas e ainda uma peça de teatro.
Apesar de estar à espera de mais contos ao estilo do “Tanta Gente, Mariana”, a verdade é que as crónicas, principalmente, me prenderam muito. Adorei! Muito se fala da solidão e da presença deste sentimento na obra da autora, no entanto, o que eu sinto é que Maria Judite é uma expectadora exímia do quotidiano e das subtilezas que marcam a vida rotineira.
As crónicas focam-se em vários temas que marcam a actualidade da autora, como o avanço tecnológico, a ida à Lua, os costumes da época. Mas o que mais me espantou e prendeu foi o facto de as crónicas serem dos anos 60, 70 e 80 e os problemas ali retratados serem ainda os mesmos: uma Lisboa que trata mal os lisboetas, a crise na habitação, a falta de árvores (!!!!) na cidade.
É com um misto de estupefacção e encantamento que lemos Maria Judite de Carvalho a escrever algo que, hoje em dia, poderia perfeitamente estar num jornal ou revista, e ninguém iria reparar. A única coisa que mudou foi o facto de Lisboa se ter, pelo menos, aberto ao rio. Uma queixa que a nossa querida Maju tanto expressava, desconsolada.
Depois das crónicas, o livro entrega-nos uma série de pequenos contos (uma página, página e meia), que também são muito bonitos de se ler. Algo que reparei nesta leitura, mais do que a questão badalada da solidão, foi o facto de autora mencionar algumas vezes, mesmo que de forma subtil, o suicídio. Mais do que sozinhas, sinto que as personagens de Maria Judite estão é deprimidas, e talvez naquele tempo não houvesse o vocabulário para o descrever desta maneira.
A seguir aos contos chegam-nos uns poemas que, defeito meu, acabo sempre por ler e seguir em frente sem me sentir particularmente agarrada. São quadras simples e despretensiosas na forma e no conteúdo, mas não é a forma que mais me agrada ler da autora.
Este quinto volume termina com a única peça de Teatro de Maria Judite, que gostei muito de ler. Não conheço Teatro o suficiente para dizer se é boa ou má, portanto avalio a qualidade com o facto de me ter divertido. A peça conta uma historieta caricata bem no estilo trágico-cómico igualmente típico da autora. Sinto que este é um ponto que se esquecem de mencionar sempre que se fala de Maria Judite de Carvalho, que se nota perfeitamente nas crónicas e no sexto volume que já estou a ler, que é o seu sentido de humor. Maria Judite é engraçada e escreve com graça, com uma ironia refinada que sabe entregar a piada para quem a souber apanhar.
Foi assim que fui avançando na colecção e cheguei ao quinto volume das Obras Completas da Maria Judite de Carvalho. Este livro dá-nos uma colectânea de crónicas que a autora escreveu para diversos jornais e revistas; uns pequenos contos; poemas e ainda uma peça de teatro.
Apesar de estar à espera de mais contos ao estilo do “Tanta Gente, Mariana”, a verdade é que as crónicas, principalmente, me prenderam muito. Adorei! Muito se fala da solidão e da presença deste sentimento na obra da autora, no entanto, o que eu sinto é que Maria Judite é uma expectadora exímia do quotidiano e das subtilezas que marcam a vida rotineira.
As crónicas focam-se em vários temas que marcam a actualidade da autora, como o avanço tecnológico, a ida à Lua, os costumes da época. Mas o que mais me espantou e prendeu foi o facto de as crónicas serem dos anos 60, 70 e 80 e os problemas ali retratados serem ainda os mesmos: uma Lisboa que trata mal os lisboetas, a crise na habitação, a falta de árvores (!!!!) na cidade.
É com um misto de estupefacção e encantamento que lemos Maria Judite de Carvalho a escrever algo que, hoje em dia, poderia perfeitamente estar num jornal ou revista, e ninguém iria reparar. A única coisa que mudou foi o facto de Lisboa se ter, pelo menos, aberto ao rio. Uma queixa que a nossa querida Maju tanto expressava, desconsolada.
Depois das crónicas, o livro entrega-nos uma série de pequenos contos (uma página, página e meia), que também são muito bonitos de se ler. Algo que reparei nesta leitura, mais do que a questão badalada da solidão, foi o facto de autora mencionar algumas vezes, mesmo que de forma subtil, o suicídio. Mais do que sozinhas, sinto que as personagens de Maria Judite estão é deprimidas, e talvez naquele tempo não houvesse o vocabulário para o descrever desta maneira.
A seguir aos contos chegam-nos uns poemas que, defeito meu, acabo sempre por ler e seguir em frente sem me sentir particularmente agarrada. São quadras simples e despretensiosas na forma e no conteúdo, mas não é a forma que mais me agrada ler da autora.
Este quinto volume termina com a única peça de Teatro de Maria Judite, que gostei muito de ler. Não conheço Teatro o suficiente para dizer se é boa ou má, portanto avalio a qualidade com o facto de me ter divertido. A peça conta uma historieta caricata bem no estilo trágico-cómico igualmente típico da autora. Sinto que este é um ponto que se esquecem de mencionar sempre que se fala de Maria Judite de Carvalho, que se nota perfeitamente nas crónicas e no sexto volume que já estou a ler, que é o seu sentido de humor. Maria Judite é engraçada e escreve com graça, com uma ironia refinada que sabe entregar a piada para quem a souber apanhar.
Enfim, é sempre um deleite ler Maria Judite de Carvalho. Esta é uma coleção que vale a pena ter na biblioteca e que me orgulho de ter feito.
Maria Judite de Carvalho, Golden Girls e um tempo que já lá vai
Longe de mim estar com laivos de velha do Restelo, culpo talvez o facto de estarmos na recta final do Verão e a saturação de estímulos e informação em que vivemos. Sendo eu um bebé dos anos 90 e uma criança dos anos 2000, ainda me lembro bem de como era a vida antes disto tudo assim. E pronto, perdoem-me o crime de sentir uma certa nostalgia por tempos que me parecem, à distância, mais simples.
Deixo-vos abaixo algumas passagens que sublinhei e mais me marcaram nesta leitura:
“E o mesmo acontece em todos os bairros de Lisboa. (...) Os Bancos de A a Z multiplicados pelos bairros desta minha pátria que é Lisboa. Minha? Às vezes não sei muito bem.” pp. 64
“Porque quem vai pensar em lagos ou em fontes nesta cidade de destruição e construção, de compra e venda, de aluguer a quem mais dá (...)?” pp. 71
“Eis-nos, pois, numa cidade remendada que vai expulsando de si os habitantes antigos e que expulsará mais tarde outros habitantes que serão antigos e outros e outros, até à perfeição.” pp.74
“Um novo edifício para gente morar? Quase nunca, enfim, muito raramente. (...) E então anunciam-se andares de luxo para gente das embaixadas, para aquelas resistentes “famílias de tratamento”. (...) De resto, poucos podem viver em Lisboa, é uma ambição desmedida.” pp. 76
“(...) pensava outra vez se teria, na verdade, vivido aqui ou noutro lugar qualquer, se a sua longa existência cinzenta, passada entre a secretária onde trabalhava, o autocarro onde viajava e a cama onde dormir, podia mesmo chamar-se vida.” pp.117
“Esperam, é tudo, nesses grandes e velhos andares lisboetas, dos tempos das famílias numerosas e das rendas baratas, transformados em pensões-dormitório, verdadeiras aldeias de gente só.” pp. 143
“Ela, a senhora, tinha hábitos de luxo, que, por serem seus, eram muito mais importantes do que as necessidades essenciais das outras, suas empregadas.” pp. 256
“E o mesmo acontece em todos os bairros de Lisboa. (...) Os Bancos de A a Z multiplicados pelos bairros desta minha pátria que é Lisboa. Minha? Às vezes não sei muito bem.” pp. 64
“Porque quem vai pensar em lagos ou em fontes nesta cidade de destruição e construção, de compra e venda, de aluguer a quem mais dá (...)?” pp. 71
“Eis-nos, pois, numa cidade remendada que vai expulsando de si os habitantes antigos e que expulsará mais tarde outros habitantes que serão antigos e outros e outros, até à perfeição.” pp.74
“Um novo edifício para gente morar? Quase nunca, enfim, muito raramente. (...) E então anunciam-se andares de luxo para gente das embaixadas, para aquelas resistentes “famílias de tratamento”. (...) De resto, poucos podem viver em Lisboa, é uma ambição desmedida.” pp. 76
“(...) pensava outra vez se teria, na verdade, vivido aqui ou noutro lugar qualquer, se a sua longa existência cinzenta, passada entre a secretária onde trabalhava, o autocarro onde viajava e a cama onde dormir, podia mesmo chamar-se vida.” pp.117
“Esperam, é tudo, nesses grandes e velhos andares lisboetas, dos tempos das famílias numerosas e das rendas baratas, transformados em pensões-dormitório, verdadeiras aldeias de gente só.” pp. 143
“Ela, a senhora, tinha hábitos de luxo, que, por serem seus, eram muito mais importantes do que as necessidades essenciais das outras, suas empregadas.” pp. 256
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